segunda-feira, 25 de agosto de 2008

UMA PORTA AZUL


Caminhei alguns metros até chegar naquela porta azul, lembro-me vagamente do número 5 preso à porta, porém, lembro-me melhor da gigante borboleta que pousara ali e permaneceu sem dar nenhum sinal de querer ir embora. Dizem que borboletas trazem sorte ou significam sorte, bem, não sei ao certo.

A porta se abriu e fui convidada a entrar, a passos lentos e inseguros me introduzi na sala de pouca decoração e de aparência simples. Enquanto me dirigia à última carteira próxima à janela me sentia objeto de curiosidade entre os pequeninos, que responderam timidamente ao meu “Bom Dia” que soou mais tímido. Sentei-me. Minha tarefa era observar e foi o que fiz, observei um por um, do mais distante ao mais próximo, observei a mulher em pé em frente à sala, observei o armário, as cortinas, as paredes, os papéis na parede, novamente a porta e o relógio no alto da parede. Neste ponto os meus olhos se fixaram. Agoniava-me a idéia de que duraram apenas minutos o que para mim pareciam ser horas. Minhas mãos suavam, meu corpo foi tomado por uma impaciência que não me deixava permanecer quieta na cadeira e só uma pergunta me passava pela mente: “Preciso realmente ficar aqui?”.

A mulher continuava em frente à sala, pedindo ordem e atenção. Um menininho me olhava e sem saber o que fazer, eu sorri, talvez fosse o que queria, pois logo se virou. Lá fora, o tempo não parecia estar muito feliz, da janela pude ver as nuvens negras tomar conta do céu e em questão de segundos a leve chuva começou a cair.

Era época de eleição para diretor. Não foi preciso esperar muito para que as candidatas aparecessem para defenderem seus votos. Foi fácil perceber a euforia que tomou conta das crianças com a presença da primeira e a reação totalmente oposta gerada pela segunda, refletida nas respostas ditas apenas por educação, sem o menor entusiasmo. Foi apenas o tempo de se despedirem para que uma conversinha tomasse conta da sala, eles eram quase unânimes quanto a preferência.

Minutos depois, foram interrompidos pela sirene, dessas parecidas com a da polícia ou dos bombeiros, mas que ao invés de causar alarme, foi motivo de alegria. Estava na hora do recreio. Eu, apenas assistia a tudo passivamente, estava ali só observando. Segui a mulher até certo ponto, mas acabei me perdendo entre a multidão de crianças e deixei-me ficar e, é claro, continuei observando. Uns comiam, outros brincavam, corriam, pulavam ou estavam sozinhos, entretanto, como tudo o que é bom dura pouco, a sirene tocou novamente, era hora de voltar.
Desta vez, acompanhei outra mulher para a mesma sala 5, sentei-me, iria começar tudo de novo. De repente, fui surpreendida por um fato que me levou de volta aos tempos de escola: uma das meninas havia perdido o livro da biblioteca e ela sempre fora muito responsável, mas é preciso entender que incidentes ocorrem. Com certeza, o fato de ter perdido o livro a deixou preocupada. A professora usou isso para falar sobre responsabilidades e se aproximando da menina disse que não precisava se preocupar tanto, pois sabia que ela era responsável e as coisas se resolveriam. Meus olhos se encheram de lágrimas, veio-me à memória o dia em que esqueci de fazer a tarefa da escola - nunca havia esquecido antes. Aquilo me deixou desesperada e quando a professora parou ao lado da minha carteira comecei a chorar, ao saber o motivo do choro levei uma bronca dupla, uma por não ter feito a tarefa e outra por estar chorando por isso. Fiquei imaginando que poderia ter ouvido o que a menininha ouviu e hoje, talvez, não entrasse em quase desespero e nem meu coração se aceleraria quando pudesse vir a faltar com minhas responsabilidades. Não que não tenhamos que buscar sempre cumprir com nossas responsabilidades, contudo, não somos perfeitos e estamos sujeitos a esquecer um livro ou de fazer uma tarefa.

Naquele momento, comecei a esquecer da minha contrariedade em estar naquele local e a me sentir mais a vontade.

De simples observadora, passei a corrigir as operações matemáticas das crianças. A cada uma que corrigia me batia um medo de estar errada quanto ao resultado, não que não soubesse somar, diminuir, multiplicar ou dividir, mas só de pensar em estar fazendo isso errado me agoniava.

Mais tarde, outro fato me chamou a atenção: as folhas do caderno de um menino haviam acabado e sua mãe não comprara outro, se foi por falta de dinheiro ou por relaxo, desconheço. Impossibilitado de copiar as tarefas, o menino se pôs a chorar, isso me comoveu, entretanto, o que mais me comoveu e me fez parar para refletir, foi o gesto de um de seus colegas, possuidor de grande generosidade. Este ofereceu um presente ao amigo, um caderno novo que estava guardado em sua bolsa. Fiquei pensando: Será que doaria meu caderno assim, com o mesmo desapego?

Confesso que ao chegar ali não via nenhum sentido para aquele trabalho, pensava mesmo, ser uma exigência sem propósito, que pouco me acrescentaria, porém, não fazemos as coisas por acaso e nem estamos em certos lugares apenas por capricho do destino e naquele dia me dei conta disso.

Estava na hora de ir embora, me despedi da professora e já me dirigia em direção à porta quando me disseram:

― Tchau, Danielly!

Virei-me, era o menino simpático com jeitinho de sapeca. Respondi-lhe com um tchau, mas talvez deveria ter-lhe dito adeus, pois dificilmente voltaria a vê-lo e provavelmente nunca mais entraria naquela sala 5, de porta azul, onde uma borboleta pousara e permaneceu sem dar nenhum sinal de querer ir embora.


Danielly Ziroldo

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