segunda-feira, 8 de setembro de 2008

“A dona vai na frente e a música vai atrás”


Não sei dizer ao certo de onde aquela senhora surgiu, sei apenas que enquanto caminhava por uma das tantas avenidas que existem por aí, ela virou uma esquina e nos encontramos. A senhora caminhava lentamente, demonstrando muitas dificuldades no caminhar, com uma capelinha na mão, destas pequenas de madeira com Nossa Senhora, em que nos grupos de reflexões permanece por um breve período em cada família. Provavelmente, a capelinha já havia permanecido o tempo determinado em sua casa e agora a levava para sua próxima morada. E no cumprimento de seu dever, nos encontramos.

A princípio, apenas nos olhamos. Senti que ela queria puxar conversa, no entanto, abaixei a cabeça e segui (perdoem-me a falta de delicadeza, sei que não custava nada cumprimentá-la, mas tenho certas atitudes que não posso explicar), segui com meu violão nas costas para a árdua tarefa de tentar aprender a tocá-lo. Ela ia com a capelinha e eu com o violão.

Parecíamos seguir para a mesma direção, uma a alguns passos a frente da outra, ambas caladas e ao mesmo tempo desejando estabelecer um diálogo. No entanto, o que eu poderia dizer-lhe? Oi, como vai a senhora? (Talvez pareça simples assim, mas quando o assunto são relações humanas, as coisas são muito mais complexas) Bem, poderia ter dito isso, porém era muito pouco. Poderia, então, perguntar-lhe a respeito da capelinha, mas as únicas perguntas que me vinham à cabeça já conhecia as respostas e não fazia sentido perguntar algo que já sabia.

Aproximávamo-nos de nossos destinos (o dela ficava apenas a dois passos do meu) e seguíamos mudas.

Mais um passo foi dado e, enfim, o silêncio se quebrou.

- A dona vai na frente e a música vai atrás.

A senhorinha encontrou a frase perfeita para puxar uma conversa. Sorri e foi preciso apenas o sorriso para dizer-lhe que poderíamos conversar. Diminui o ritmo dos meus passos para acompanhá-la e a passos lentos trocamos algumas palavras (recebi mais do que dei). Chegamos, por fim, aos nossos destinos. Eu para a difícil tarefa de aprender tocar violão e ela para a também difícil tarefa de entregar a capelinha. Entrei e na casa vizinha permaneceu a senhora aos gritos no portão, mas ninguém, além de mim, parecia ouvi-la. Tive a impressão de que ela teria que voltar para casa sem cumprir sua missão inicial.

E nesta tentativa de cumprir uma missão, nos encontramos, nos despedimos e nem sei se ainda lembro-me do seu rosto. Entretanto, sua frase ficou presa aos meus pensamentos: “A dona vai na frente e a música vai atrás”. Talvez suas palavras não queiram dizer mais do que dizem. Se eu for a dona e o violão a música, o violão, realmente, seguia atrás de mim, nas minhas costas. Contudo, pensar que esta frase diz apenas isso é muito pouco para alguém que vive com a cabeça em outras dimensões, que não apenas nesta, a da realidade nua e crua.
A dona poderia ser eu (ou qualquer outra moça), mas a música precisa ser mais do que apenas um violão nas minhas costas. A música é sentimento, ritmo, poesia, emoção; a música é algo inexplicável, que toma conta de nosso ser e nos arranca lágrimas, risos, movimentos, por isso ela não pode ser apenas um violão nas minhas costas.

E não sendo apenas um violão nas minhas costas, devo dizer que a senhorinha equivocou-se em um detalhe ao dizer-me aquela frase. Ela deveria ter-me dito que: “A música vai na frente e a dona vai atrás”. No entanto, não posso culpá-la, afinal, ela nem me conhecia e as aparências, às vezes, enganam.

Seria impossível a doce senhora saber que sou eu quem corre atrás da música...



Danielly Ziroldo


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